A vinda do representante máximo da igreja católica tem causado furor nos grandes portais e jornais brasileiros. Francisco, tal qual um pop star, é “top, capa de revista”, já dizia o poético funk. Mas, assim como com outros eventos, o jornalismo tradicional tem por pauta apenas um assunto em detrimento de outros. Foi assim com as manifestações, com o assassinato de alguém, com o julgamento de outrem e por aí vai.

O papa mais beijoqueiro da historia
foto: UOL

Francisco exala humildade. Jorge Bergoglio, o argentino e primeiro latino-americano eleito papa vai ao encontro dos interesses da atual Igreja Católica: pregar humildade e apagar a imagem austera e imponente que até então pairava por séculos. Além de eleger um representante do continente que abriga a maior quantidade de católicos no mundo — que está em franca decadência. É uma clara tentativa de abafar os escândalos financeiros e sexuais de uma instituição com baixa credibilidade. O humilde Francisco acolhe a todos, numa simpatia sem igual. Beija crianças, sorri, distribui palavras afetuosas e, tal como prega a ordem jesuíta, abdicou de todos os luxos. Oportunidade de ouro para reavivar a imagem da instituição católica especialmente na América Latina, região que vem perdendo fieis para outras denominações religiosas.
A Jornada Mundial da Juventude no Rio já estava marcada. Portanto, com ou sem Chico ou Francisco, o evento seria realizado. Mas, numa dessas grandes coincidências, Francisco chega ao Brasil num momento de turbulência: as manifestações ainda resistem, especialmente no Rio, vejam só. E mais: o número de católicos (praticantes?) caiu de 64% para 57% em recente pesquisa do Datafolha. É o menor número desde 1994. Por outro lado, as religiões evangélicas cresceram de 22% para 28%. Nada mais oportuno como a vinda do líder católico para recrutar novos e desiludidos fieis, pregando a bandeira da humildade e da ligação com os jovens — vide as mensagens, “bênçãos”, e, pasmem, “perdões” postadas no Twitter.
Vejam bem: não questiono a fé de ninguém. Cada um tem a sua e acredita no que faz bem. O meu questionamento aqui é com relação às instituições e ao fascínio que um homem — até então simples — causa nas pessoas. O trajeto do papa pelas ruas do Rio de Janeiro foi marcado pela euforia — e, histeria — de alguns que tentavam tocá-lo. Como se este fosse um Jesus que cura tudo. Aliás, histeria vista em outras denominações, especialmente as igrejas evangélicas que veem nos pastores (e “bispos”) a imagem de um deus que cura e descura. A recepção dos políticos — como em qualquer outro lugar — foi da chegada de um rei supremo, como se este pairasse sobre nossas cabeças mandando e desmandando. Gostaria de ver tais honrarias a outros líderes de outras religiões, sejam umbandistas, evangélicos, espíritas e, por que não, ateus.

HIsteria e muito trabalho para os seguranças
foto: UOL

Legitimar a vinda do papa — e todo o circo que foi mostrado ontem — é como legitimar a opressão de uma maioria. Dizer que o Estado é laico é extremamente fácil quando se é uma maioria católica, ainda que em franco declínio. Sob o mesmo ponto de vista, é como concordar com a imposição da grande mídia em relação aos pequenos grupos de comunicação. Ou ainda, talvez num extremo, como concordar com a opressão de outras maiorias, que duram séculos: heteros x homos, brancos x pretos, ricos x pobres, e daí em diante. Assim como por séculos a igreja católica foi dominante e opressora.
Novamente: não questiono a sua fé. Questiono o circo de cinismo armado em cima da vinda de Francisco. A pauta da semana em todos os jornais será essa (aliás, os sites poderiam pegar a ideia do inglês “The Guardian”: o site do jornal deu aos leitores a oportunidade de escolher entre uma capa “republicana”, com as notícias corriqueiras e uma capa “real”, que envolvia todo o também circo armado em cima no nascimento do filho de William e Kate). Além da pauta corriqueira sobre o papa, destaco uma das matérias mais absurdas que vi: o UOL/Folha mostra, na home, uma evangélica que ficou “emocionada” por ter a filha carregada pelo papa. Nada mais hipócrita do que dizer que as religiões vivem em total harmonia, num sincretismo sem igual e que o papa é de “todos sem distinção”. Não, Francisco não é líder supremo das outras denominações cristãs,muito menos de outras religiões, como tanto querem pregar.

O Rio parou. E os outros, o que tem a ver com isso?
foto: globo.com

A Jornada Mundial da Juventude é um evento já tradicional e não deixa de ser uma ponta de esperança aos jovens que andam desiludidos com um mundo por vezes cruel. Francisco, ainda que (na minha opinião) tenha na humildade uma grande jogada de marketing da instituição católica, é um alento de bondade, mas longe de qualquer representação ou sucessão de Pedro (regra imposta pela instituição).
Como disse o jornalista Leonardo Sakamoto: “ viagem do papa e bebê da realeza onipresentes. Sensação de Idade Média…”. Não há melhor definição para os atuais acontecimentos.

Créditos: Made in Brazil - 
Jornalista, radialista, às vezes escritor e sempre na tentativa (geralmente bem-sucedida) de formar opiniões.